Em abril de 1850, nascia em Vassouras, no Rio de Janeiro, Eufrasia Teixeira Leite, a primeira investidora do Brasil e a primeira mulher no mundo a fazer gestão de um patrimônio com investimentos distribuídos em cinco continentes.
Filha de uma família rica, Eufrasia se viu órfã aos 23 anos e, ao lado da irmã, passou a administrar a fortuna da família, multiplicando o patrimônio recebido com um portfólio diversificado de investimentos. Mas para entender o pioneirismo de Eufrasia é preciso avaliar também o contexto e desafios vividos pelas mulheres de sua época.
Eufrasia cresceu durante o Brasil Império, período que tem início logo após a proclamação da independência do Brasil. Estamos falando de uma época que para as mulheres cabia o servir: aos esposos, aos filhos, à família e à religião.
Mulheres também não tinham direito a voto, tampouco autonomia financeira. Vale lembrar que até 1962, as mulheres no Brasil só podiam abrir conta em bancos, trabalhar fora de casa ou aceitar o recebimento de heranças com a autorização do esposo, conforme previsão do Código Civil de 1916.
É neste contexto que Eufrasia cresce e é educada. Com a morte dos pais, ela e a irmã decidem recomeçar a vida em Paris. Jovens, com dinheiro e solteiras, as irmãs se viram emancipadas financeiramente e aptas a viver uma vida até então nada comum para as mulheres.
Das Américas para a Europa
Para sair do país, as jovens venderam alguns imóveis, ações e títulos de dívidas que haviam herdado. A fortuna deixada pelos pais era próxima de 768 contos de réis. Em termos comparativos, esse valor correspondia à metade do orçamento pessoal disponível para o uso do imperador D. Pedro II por um ano.
Em Paris, Eufrasia se envolveu com o mundo dos negócios e passou também a investir em outras mulheres e suas carreiras. Ela participa ativamente de estudos e discussões sobre a urbanização da capital francesa e apoia o desenvolvimento de novas tecnologias, como próteses para os muitos deficientes físicos da Primeira Guerra Mundial.
Mas ao investir no desenvolvimento de novas tecnologias, Eufrasia foi também uma das primeiras investidoras-anjo do mundo. A partir dos seus 50 anos, ela passa a destinar os seus recursos para a criação de soluções baseadas em tecnologia para os problemas das pessoas da época, como empresas de vestuário sem origem animal, de energia e muitos outros setores.
Por 14 anos, Eufrasia também investiu no amor. Ela manteve um relacionamento com o abolicionista Joaquim Nabuco, mas o romance acabou diante do impasse sobre em qual país o casal deveria morar. Nabuco tinha aspirações políticas no Brasil, mas para Eufrasia retorno significava abrir mão de muitas conquistas.
Vamos retomar que neste período as mulheres no Brasil não tinham autonomia financeira do ponto de vista legal. Quando casavam, o marido assumia o papel de tutor do patrimônio que elas tivessem. Com o casamento, portanto, Eufrasia abria mão da sua fortuna e da independência e liberdade que havia conquistado, um preço que ela não estava disposta a pagar.
Eufrasia retorna ao Brasil em 1928. Antecipando-se aos primeiros sinais da crise econômica de 1929, ela investe em um grande loteamento em Copacabana, no Rio de Janeiro. Antes, ela havia também diversificado os investimentos da família aos primeiros sinais da crise cafeeira, fazendo aplicações em títulos da dívida pública (como os títulos de hoje do Tesouro Direto), ações do Banco do Brasil, além de imóveis e títulos de crédito. Eufrasia morre de insuficiência cardíaca em 1930, com fortuna em testamento suficiente para comprar 1.850 quilos de ouro aos preços da época. A maior parte do seu patrimônio foi doado a instituições em sua cidade natal.
Durante os seus 50 anos na Bolsa, Eufrasia investiu em mais de nove moedas e passou por momentos como a Primeira Guerra Mundial e o início da crise de 1929, fazendo buy and hold muito antes de nomes populares pela estratégia de investimentos, como o bilionário Warren Buffett. Quase 100 anos após a sua morte, ela ainda é um símbolo para mulheres em todo o mundo de coragem, independência, ação e da capacidade feminina nos investimentos. Não por acaso, essa publicação que nasce em 2022 homenageia a sua trajetória. Viva Eufrasia, viva as mulheres nas finanças!
A história de Eufrasia foi recuperada nos últimos anos pelo trabalho da pesquisadora e analista financeira Mariana Ribeiro.