Todas as vezes que alguém me pergunta com o que trabalho e eu respondo “com moda”, automaticamente vem um pedido: “por favor, não repare na minha roupa hoje…”, que é sempre seguido de uma justificativa: “estou assim porque tive que levar o meu cachorro doente ao veterinário”, “estou assim porque saí de casa correndo, não tive tempo de escolher nada”, “estou assim porque engordei e minhas roupas não estão servindo”, como se pelo fato de trabalhar com moda, automaticamente, eu me transformasse em uma poderosa máquina capaz de avaliar, julgar e condenar alguém. Eu apenas escuto aquela pessoa que está incansavelmente se metralhando com autocríticas.
Por que será que quando falamos a palavra MODA, automaticamente, despertam sentimentos de vergonha, escassez e inadequação? Porque infelizmente são alguns dos sentimentos que fazem com que ela se mantenha viva!
A cada nova estação centenas de tendências são lançadas: “Peças que você TEM QUE TER para este Verão.”, disse uma influenciadora. A outra, por sua vez, mostrou “Tour pelo meu closet recheado de MODA para você se inspirar, copiar e COMPRAR” e, por fim, a última bradou: “Felicidade é USAR as novas piranhas de cabelo em formato de flor aqui nas Maldivas.”
Felicidade?
Que felicidade é essa que dura alguns minutos, horas e, com sorte, uns poucos dias, porque amanhã você terá que COMPRAR, TER e USAR várias outras coisas para se manter correndo infinitamente na rodinha do hamster em busca de um sentimento adequação e aceitação que não chegam e, sinto muito, nunca vão chegar.
O que chega?
A piranha de cabelo de flor, junto com vários outros pacotes, caixas e sacolas que você comprou e uma insatisfação difícil de nomear até o momento em que você diz: “Chega!”
Chega de achar que não sou legal por não SER o que dizem para eu ser.
Chega de me sentir mal por não TER o que dizem para eu ter.
Chega de me culpar por não ESTAR onde dizem para eu estar.
Chega de me criticar por eu não USAR o que dizem para eu usar.
Chega de me achar insuficiente por não COMPRAR o que dizem para eu comprar.
É nessa hora que chega o estilo, a autenticidade, a liberdade de escolha e o aprendizado de que a moda existe a nosso serviço e não, nós, a serviço dela.
Pessoas que conhecem o seu estilo geralmente conhecem a si mesmas. Dizem "sim" à moda como instrumento para se expressarem e um sonoro "não" para modismos passageiros que não se encaixam na sua essência. Priorizam a qualidade ao invés da quantidade e traduzem com maestria a própria história através da imagem que projetam.
Assim como ter autoconhecimento, conhecer o próprio estilo é ser dono de uma consciência que pode se permitir para o novo sem desqualificar o que já possui, e isso em tempos de geração maciça de conteúdos de consumo é um exercício diário.
Quer se conhecer? A dica é se inspirar sem se lesar.
Uma das práticas mais legais para conhecer o próprio estilo é criar um painel de cenas, pessoas, roupas, lugares e coisas que lhe agrada, que chamamos de moodboard, ou mural de inspirações. Pode ser feito com recortes em um cartaz físico ou no telefone, computador, tablet com um aplicativo de edição e agrupamento de fotos.
Cada imagem vista, cada história contada deve ser filtrada, usada ou descartada para construir a sua e não para replicar a de outra pessoa. Um grande compilado de diversos caminhos, universos e amores que são você quem escolhe e que a fazem única.
Esse mural pode ir mudando com a passagem do tempo, somos seres em constante movimento e transformação, o importante é ter ao alcance dos olhos uma tradução de si e das próprias escolhas no momento.
Olhe-se no espelho, experimente roupas diferentes que estão ali esquecidas no seu guarda-roupa, faça combinações improváveis, se fotografe, ria de você mesma. Todo processo de autoconhecimento exige bastante treino, tropeços, quedas e não existe certo e errado…
Aí a moda chega.
Chega!
Marcia Jorge é stylist, consultora de moda e psicóloga. Defensora do consumo consciente, acredita no uso da imagem como ferramenta essencial para se atingir resultados, melhorar a qualidade de vida e a autoestima. No mercado há mais de duas décadas, já assinou o figurino de centenas de campanhas publicitárias, filmes, desfiles e editoriais em publicações nacionais e internacionais.